LEI No 8.158, DE 8 DE JANEIRO DE 1991.

Institui normas para a defesa da concorrência e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º Compete à Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE), do Ministério da Justiça, apurar e propor as medidas cabíveis com o propósito de corrigir as anomalias de comportamento de setores econômicos, empresas ou estabelecimentos, bem como de seus administradores e controladores, capazes de perturbar ou afetar, direta ou indiretamente, os mecanismos de formação de preços, a livre concorrência, a liberdade de iniciativa ou os princípios constitucionais da ordem econômica.

Parágrafo único. Compete, igualmente, a SNDE adotar as providências necessárias à repressão das infrações previstas na Lei nº 8.002, de 14 de março de 1990.

Art. 2º A Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE) atuará de forma a evitar que as seguintes distorções possam ocorrer no mercado:

a) a fixação de preços dos bens e serviços abaixo dos respectivos custos de produção, bem como a fixação artificial das quantidades vendidas ou produzidas;

b) o cerceamento à entrada ou à existência de concorrentes, seja no mercado local, regional ou nacional; 

c) o impedimento ao acesso dos concorrentes às fontes de insumos, matéria-prima, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição.

d) o controle regionalizado do mercado por empresas ou grupos de empresas;

e) o controle de rede de distribuição ou de fornecimento por empresas ou grupo de empresas;

f) a formação de conglomerados ou grupos econômicos, por meio de controle acionário direto ou indireto, bem como de estabelecimento de administração comum entre empresas, com vistas a inibir a livre concorrência.

Art. 3º Constitui infração à ordem econômica qualquer acordo, deliberação conjunta de empresas, ato, conduta ou prática tendo por objeto ou produzindo o efeito de dominar mercado de bens ou serviços, prejudicar a livre concorrência ou aumentar arbitrariamente os lucros, ainda que os fins visados não sejam alcançados, tais como:

I - impor preços de aquisição ou revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas e margens de lucro, bem assim estabelecer preços mediante a utilização de meios artificiosos;

II - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

III - dividir os mercados de produtos acabados ou semi-acabados, ou de serviços, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários;

IV - fixar ou praticar, em conluio com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços;

V - regular mercados mediante acordo visando a limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção e a distribuição de bens e serviços;

VI - dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços;

VII - recusar, injustificadamente, a venda de bens ou a prestação de serviço, dentro das condições de pagamento normais aos usos e praxes comerciais;

VIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem;

IX - dificultar ou romper a continuidade de relações comerciais de prazo indeterminado, com o objetivo de dominar o mercado ou causar dificuldades ao funcionamento de outra empresa;

X - impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia;

XI - abandonar, fazer abandonar ou destruir lavoura ou plantações, com o fim de dificultar ou impedir a concorrência ou obter lucro arbitrário;

XII - destruir, inutilizar ou açambarcar sem justificada necessidade, matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir ou inutilizar equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los, transportá-los, ou dificultar a sua operação;

XIII - vender mercadoria ou prestar serviços sem margem de lucro, visando à dominação do mercado;

XIV - importar ou exportar mercadoria ou comercializá-la abaixo do preço praticado no país exportador em prejuízo de concorrente com estabelecimento no Brasil;

XV - obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

XVI - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresas;

XVII - constituir ou participar de associação ou entidade de qualquer natureza cuja finalidade ou efeitos configurem quaisquer das práticas vedadas por esta lei;

XVIII - agir ou omitir-se, em conluio com concorrentes, mediante condutas paralelas cuja finalidade ou efeitos tipifiquem quaisquer das práticas indicadas nesta lei.

Art. 4º A SNDE atuará de ofício, mediante provocação de órgão ou entidade de Administração Pública ou em razão de representação de qualquer interessado.

Art. 5º A SNDE, tomando conhecimento, fundada em provas ou indícios, da ocorrência de ilícito previsto nesta lei, notificará, no prazo de oito dias, o agente apontado como responsável para prestar esclarecimentos no prazo de quinze dias, prorrogável a juízo e na extensão que a SNDE considerar adequada à espécie.

§ 1º É facultado ao agente, juntamente com os esclarecimentos fornecidos, apresentar defesa prévia bem como requerer a produção de provas de qualquer natureza e pertinentes à denúncia.

§ 2º Para efeito de apuração das ocorrências, a SNDE poderá determinar a realização das diligências cabíveis, bem como requisitar, em caráter confidencial, do agente de qualquer órgão ou entidade da Administração Pública, de empresas, firmas individuais, estabelecimentos, administradores ou controladores, o fornecimento, no prazo de quinze dias, prorrogável na forma do " caput" , de documentos, informações ou esclarecimentos que julgar necessários.

§ 3º Quando a ocorrência versar sobre a baixa artificial de preço, mediante importação, no todo ou em parte, de produto estrangeiro, a SNDE deverá, ainda, comunicar o fato ao Ministério da Economia, Fazendo e Planejamento para a adoção das medidas cabíveis.

Art. 6º Analisado o material coligido na forma do disposto no artigo precedente, a SNDE, alternativamente:

a) arquivará o processo se, fundamentalmente, considerar inexistentes ou insubsistentes as ocorrências que determinaram a respectiva instauração; ou, caso contrário:

b) encaminhará relatório ao agente a fim de que este, em quinze dias, prorrogáveis a juízo e na extensão que a SNDE considerar adequada à espécie, deduz sua defesa comprovando a improcedência da representação.

Art. 7º Verificada a procedência da representação, a SNDE, em circunstanciado relatório final, que evidenciará os fundamentos de seu juízo, recomendará ao agente as medidas de correção cabíveis, com fixação de prazo para o seu atendimento, e encaminhará o processo ao Cade para as medidas de sua competência, as quais serão adotadas no prazo de cento e vinte dias, prorrogáveis por mais noventa dias.

§ 1º Desatendida a recomendação, a SNDE providenciará, conforme o caso, cumulativa ou alternadamente:

a) a declaração de inidoneidade do agente para fins de habilitação em licitação ou contratação, promovendo a publicação do ato no órgão oficial;

b) a inscrição do agente no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor;

c) a recomendação de que não seja concedido ao agente parcelamento de tributos federais por ele devidos; e

d) solicitará ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que delibere, liminarmente, sobre a prática ilícita e determine sua imediata cessação, se for o caso, até final julgamento do processo.

§ 2º As providências tomadas pela SNDE, nos termos deste artigo, permanecerão em vigor até o completo atendimento, pelo agente, do inteiro teor da recomendação, observado o disposto no § 3º.

§ 3º Verificando a SNDE o completo atendimento, pelo agente, das recomendações, e desde que não se trate de reincidência, serão canceladas as sanções adotadas nos termos das alíneas a , b e c do § 1º, e feita a devida comunicação ao Cade, que deliberará sobre a suspensão ou não dos procedimentos porventura iniciados.

§ 4º Em caso de reincidência, as sanções aplicadas pela SNDE permanecerão em vigor por um período não inferior a doze meses nem superior a trinta e seis meses, contados da data do reconhecimento, pelo órgão, da cessação das práticas daquelas sanções.

Art. 8º Os processos oriundos da SNDE, na forma do artigo precedente, serão julgados pelo Cade independentemente da realização de novas diligências ou da abertura de prazo para alegações finais.

Art. 9º Verificada a improcedência da representação, a SNDE procederá ao arquivamento do processo.

Art. 10. Todos os interessados poderão consultar a SNDE ou o Cade sobre a legitimidade de atos suscetíveis de acarretar restrição da concorrência ou concentração econômica.

§ 1º A consulta será respondida no prazo de sessenta dias, não se aplicando, ao consulente, qualquer sanção em virtude de ato relacionado com o objeto da consulta, praticado entre o término desse prazo e a manifestação da SNDE ou do Cade.

§ 2º A manifestação proferida no procedimento de consulta será vinculativa para a SNDE e o Cade.

Art. 11. Os Regimentos Internos da SNDE e do Cade disporão sobre o processo de consulta.

Art. 12. Em qualquer fase da averiguação preliminar do processo administrativo, da execução ou da intervenção, a SNDE e o Cade poderão adotar medidas preventivas quando houver fundado receio ou indício de que o representado, por si ou através de terceiro, cause ou procure causar à livre concorrência ou ao direito de outrem, lesão grave e de difícil reparação, ou torne inócuo o resultado final do processo.

§ 1º O descumprimento da medida preventiva está sujeito ao pagamento de multa diária de valor não inferior a 10.000 (dez mil) vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional Fiscal, ou a referencial equivalente que venha a substituí-lo, vigente à data do efetivo pagamento.

§ 2º O valor da multa poderá ser elevado ao seu décuplo se demonstrada a sua ineficácia, sendo devida até que se cumpram as medidas preventivas.

§ 3º O valor arrecadado pelo pagamento das multas referidas nos parágrafos anteriores será destinado ao fundo previsto na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.

Art. 13. O art. 74 da Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 74. Os ajustes, acordos ou convenções, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou reduzir a concorrência entre empresas, somente serão considerados válidos desde que, dentro do prazo de trinta dias após sua realização, sejam apresentados para exame e anuência da SNDE, que para sua aprovação deverá considerar o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:

a) tenham por objetivo aumentar a produção ou melhorar a distribuição de bens ou o fornecimento de serviços ou propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico ou incrementar as exportações;

b) os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, do outro;

c) não sejam ultrapassados os limites estritamente necessários para que se atinjam os objetivos visados;

d) não implique a eliminação da concorrência de uma parte substancial do mercado de bens ou serviços pertinentes.

§ 1º Também poderão ser considerados válidos os atos de que trata este artigo, ainda que não atendidas todas as condições previstas no " caput" , quando a restrição neles contida for necessário por motivos preponderantes da economia nacional e do bem comum, e desde que a restrição tenha duração pré-fixada e, ao mesmo tempo, se comprove que, sem a sua prática, poderia ocorrer prejuízo ao consumidor ou usuário final.

§ 2º Incluem-se nos atos de que trata o " caput" , aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer outra forma de agrupamento societário ou concentração econômica, cuja conseqüência implique a participação da empresa ou grupo de empresas resultante, em vinte por cento de um mercado relevante de bens ou serviços.

§ 3º A validade dos atos de que trata este artigo, desde que aprovados pela SNDE, retroagirá à data de sua realização; não tendo sido apreciados pelo órgão no prazo de sessenta dias após sua apresentação, serão automaticamente considerados válidos, perfeitos e acabados, salvo se, comprovadamente, seus participantes deixarem de apresentar eventuais esclarecimentos solicitados ou documentos necessários ao exame dentro dos prazos marcados pela SNDE, hipótese em que o prazo de exame ficará prorrogado na proporção do atraso na apresentação dos elementos solicitados.

§ 4º Se os ajustes, acordos ou convenções de que trata este artigo não forem realizados sob condição suspensiva ou se deles já tiverem decorrido efeitos perante terceiros, inclusive de natureza fiscal, a SNDE, na eventualidade de concluir pela sua não aprovação, deverá determinar as providências cabíveis às partes no sentido de que sejam desconstituídos, total ou parcialmente, seja através de distrato, cisão de sociedade, venda de ativos, cessação parcial de atividades ou qualquer outro ato ou providência pelo qual sejam eliminados os efeitos nocivos à concorrência que deles possam advir.

§ 5º Poderão as partes que pretenderem praticar atos de que trata este artigo, previamente à sua realização, consultar a SNDE sobre a validade dos atos a serem celebrados, devendo a consulta respectiva ser apreciada no prazo de sessenta dias, considerando-se a falta de resposta nesse prazo como concordância com a realização do ato, ressalvada a ocorrência de fato previsto na parte final do § 3º acima.

§ 6º Sem prejuízo das demais combinações legais, inclusive aquelas constantes do art. 11 da Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 7.784, de 28 de junho de 1989, se for o caso, a não apresentação dos atos previstos neste artigo para registro e aprovação implicará a abertura de processo na SNDE, para as providências de sua competência."

Art . 14. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), criado pela Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, órgão judicante da estrutura do Ministério da Justiça, com as competências previstas no referido diploma e nesta lei, funcionará junto à Secretaria Nacional de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SNDE), que lhe dará suporte de pessoal e administrativo. 

Parágrafo único. O Cade contará com quatro Conselheiros, Presidente e um Procurador, todos de notório conhecimento jurídico ou econômico, nomeados pelo Presidente da República, por indicação do Ministro da Justiça e após aprovação dos nomes pelo Senado Federal, para um mandato de dois anos, permitida a recondução.

Art . 15. Por infração a esta lei ou à Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, o Cade poderá recomendar a desapropriação de empresas, de suas ações ou quotas, as quais deverão ser, no mais breve tempo possível, objeto de alienação mediante licitação ou em bolsas de valores.

Art . 16. (Vetado).

Art . 17. (Vetado).

Art . 18. Os mandatos dos atuais Conselheiros do Cade extinguem-se com a nomeação dos novos titulares, na forma desta lei.

Art . 19. Ressalvados os de Conselheiros, o de Presidente e o de Procurador, passam a integrar a estrutura da SNDE os atuais cargos e funções do Cade.

Art . 20. A SNDE e o Cade poderão representar ao Ministério Público, com vistas à aplicação da Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951.

Art . 21. As decisões administrativas previstas nesta lei serão passíveis de recurso, voluntários ou de ofício, interposto ao Ministro da Justiça, no prazo de dez dias.

Art . 22. Na apuração e correção dos atos ou atividades previstos nesta lei, a autoridade levará em conta, primordialmente, os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado, ainda que não se caracterize dolo ou culpa dos agentes causadores. 

Art . 23. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, mantidas as normas definidoras de ilícitos e sanções constantes da Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, assim como em outros diplomas legais relativos a práticas de abuso de poder econômico.

Brasília, 8 de janeiro de 1991; 170º da Independência e 103º da República.

FERNANDO COLLOR
Jarbas Passarinho